SEGURANÇA JURÍDICA, MUDANÇA DA JURISPRUDÊNCIA TRIBUTÁRIA E AS NOVAS TESES FILHOTES: COMO ISSO AFETA A VIDA DO CONTRIBUINTE
Decisões em sentidos distintos prolatadas para
encerrarem litígios da mesma natureza: isto fere princípios basilares do nosso
ordenamento, como a segurança jurídica e a isonomia.
Por sua vez, não menos importante, dentro do contexto
da ordem econômica, proclamar pela manutenção dos entendimentos tributários é
até mesmo uma forma de garantia do princípio da livre concorrência. Visto que,
não nos parece demais pensar que decisões em sentidos contrários para regularem
conflitos ou situações semelhantes envolvem ou podem resultar em privilégios
entre contribuintes.
Isto é, tem-se a possibilidade de contribuintes
autorizados a não recolherem determinados tributos em prejuízo de outros que o
fazem. No âmbito tributário isto fere direitos fundamentais, como da igualdade.
Já dentro da ordem econômica isto poderá permitir a concorrência desleal,
diante do fato de que o custo tributário é compõe, seja a curto ou a longo
prazo, mais cedo ou mais tarde, o preço dos produtos ou serviços.
1.
Breve reflexão sobre o conceito
de Segurança Jurídica
Como lidar com o fato de que o Direito Tributário
é geralmente um direito de Segurança Jurídica? O conceito de Segurança Jurídica
parece estar dentro do raciocínio jurídico de muitos juristas que sequer
pararam para estudar o que é Segurança Jurídica, o que é o princípio da
Segurança Jurídica, ou como é a sua interação com as normas tributárias de modo
geral.
Talvez isto se explique pelo fato de que nascemos
no mundo jurídico como a ideia de que o Direito não comporta incerteza e que
talvez isto nos traga uma ligação involuntária ao que seria Segurança Jurídica.
A Segurança Jurídica pertence ao todo, e a sua
observação deverá acontecer de maneira integral, assim, não se deve observar
apenas e somente o subsistema constitucional tributário, mas todo o sistema
constitucional.
Os problemas surgem quando as regras
constitucionais de segurança jurídica se revelam insuficientes para proteger os
contribuintes contra restrições ilegais e, portanto, indevidas aos direitos
fundamentais do contribuinte (como direitos de liberdade e de propriedade).
Vamos entender um pouco mais. Mas impossível
esgotar o tema e nem buscamos isto neste momento.
O indivíduo precisa conhecer as normas que precisa
obedecer. E existem normas que vão nos dizer quais normas devemos obedecer.
Então, quais seriam as qualidades que o Direito precisa ter para ser
considerado “seguro”? E quais seriam as condições que o Direito precisa
ter para “assegurar” direitos e expectativas?
Sobre as qualidades, podemos dizer que o indivíduo
precisa conhecer a regra que regula a sua ação, ter conhecimento. Pois bem. Sem
dúvidas que estamos diante de um fortíssimo instrução de orientação ao cidadão.
Já na outra face da atuação da Segurança Jurídica,
temos que o Direito, além de cognoscível, deve ser confiável e calculável,
estes refletem em verdadeiros ideais a serem buscados.
É saber se o ontem vai ser respeitado hoje, e se o
hoje vai ser respeitado amanhã. Dentro disso, Humberto Ávila (teoria da
segurança jurídica, p. 311) nos ensina que só é possível assegurar, no
presente, o Direito passado ou controlar, no presente, o Direito futuro se o
cidadão puder conhecer o Direito, os seus direitos e os instrumentos de sua
realização.
Dessa forma, para que haja segurança jurídica é
preciso que aquilo que foi garantido não seja afetado por frustração ou surpresa
do indivíduo. Por exemplo, a Constituição Federal possui um dispositivo
específico a respeito da proibição de retroatividade das leis tributárias,
segundo o qual é vedado aos entes federados “cobrar tributos em relação a
fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver
instituído ou aumentado” (art. 150, III, “a”).
Podemos dizer que possui um resultado semelhante
no comportamento do contribuinte, quando ele se depara com uma mudança
jurisprudencial (que também tenha eficácia retroativa modificadora). Ou seja,
isto também gerará uma frustração da confiança com relação ao passado, como
também quanto ao nascimento de uma desconfiança jurídica com relação ao futuro.
2.
DA MUDANÇA JURISPRUDENCIAL E COMO
ISSO AFETA A VIDA DO CONTRIBUINTE
Pois bem, podemos falar que apenas haverá mudança
jurisprudencial quando uma decisão judicial manifesta entendimento contrário a
um entendimento também manifestado em decisão judicial anterior e eficaz sobre
uma mesma matéria.
Exige-se que o Poder Judiciário se vincule aos
seus precedentes, ou seja, que julgue o que tem sido julgado. Parece simples,
mas não é. O Código de Processo Civil de 2015 inovou, em seu art. 927, ao fixar
que juízes e tribunais observarão acórdãos proferidos nos incidentes de
resolução de demandas repetitivas e no julgamento de recursos especiais e
extraordinários, dentre outras hipóteses lá previstas.
Todo caso, mudar a orientação não é proibido.
Mudanças podem fazer bem ao Direito, que deve se adaptar aos fatos da vida
social. No entanto, todo cuidado é pouco, visto que mudanças drásticas não
coadunam com o princípio da Segurança Jurídica.
O Poder Judiciário pode mudar de orientação e isso
é indiscutível, desde que a mudança seja feita de maneira fundamentada,
mantendo respeito às decisões anteriores, bem como dever-se-á, sempre que possível,
observar os direitos dos contribuintes.
No âmbito que nos interessa que é o Direito
Tributário, a mudança jurisprudencial pode afetar desfavoravelmente quem atuou
confiando em decisões anteriores, bem como efetuou todo os seus cálculos
econômicos com base no quadro normativo anterior.
Então, para que a mudança jurisprudencial possa
ser considerada “ruim”, a decisão que veio a ser modificada deve ter
produzidos efeitos orientadores ao contribuinte em alto grau, o que irá causar
surpresa e frustração.
Assim, em apoio ao narrado acima, a falta de proteção
da confiabilidade (passada) compromete a calculabilidade (futura).
2.1.
SOBRE O TRÂNSITO EM JULGADO
Antes de prosseguirmos, devemos alertar que não há
que se falar em mudança jurisprudencial antes do trânsito em julgado.
Quer-se dizer que a orientação consultiva
tributária deve ser clara quando pautar-se em decisão provisória, isto é,
quando ainda não ocorreu o trânsito em julgado.
Não poderá reclamar sobre desrespeito ao seus
direitos, o contribuinte que se orientar por decisão provisória, ou seja, que
ainda não transitou em julgado. O seu direito somente estará garantido após o
efetivo trânsito em julgado. Qualquer ato entre essas situações será por conta
e risco do contribuinte.
3.
DAS DENOMINADAS “TESES FILHOTES”
Retornamos com a seguinte indagação: como ficam
os direitos dos contribuintes quando uma decisão (que se qualifica como mudança
jurisprudencial) mesmo que favorável aos contribuintes, não acontece a
modulação dos efeitos de maneira retroativa? Ou seja, os contribuintes não vão
ter acesso aos valores pagos indevidamente.
Pois bem. Em março de 2017, o STF decidiu que o
ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS. No entanto, embora tal entendimento já não
possa sofrer alteração, a PGR (Procuradoria-Geral da República) opôs Embargos
de Declaração, e um dos seus pedidos foi que houvesse uma modulação dos efeitos
da decisão, de modo que somente tivesse eficácia para o futuro.
Essa tem sido uma das maiores discussões
tributárias dos últimos anos, além de ter dado origem a uma série de outras
teses (denominadas de “teses filhotes” - i.e. que envolvem discussão
parecida com a que já foi julgada pelo STF), tem uma forte significação sobre
os efeitos que uma mudança jurisprudencial pode trazer ou impor ao ordenamento.
Do lado do FISCO, o interesse é a preservação das contas
públicas. Isto significa que o Estado não quer devolver para as empresas o que
cobrou a mais, nos últimos 05 anos.
Mas e o lado dos contribuintes, que tiveram que
arcar com tal carga tributária?
Ainda, como aludido acima, outras “teses filhotes”
surgiram. Na segunda semana de agosto de 2020, o STF julgará a exclusão do ISS
da base de cálculo do PIS e da COFINS (RE 592616).
Além destas teses, há outras que também são
tratadas como “filhotes do ICMS”. Como a que se discute a exclusão do PIS e da
COFINS da sua própria base de cálculo, a qual teve repercussão geral
reconhecida pelos ministros em outubro de 2019 (RE 1233096). No entanto, ainda
não há data prevista para ir a julgamento.
Acerca dos impactos aos cofres públicos, por
exemplo, temos que a tese da exclusão do ICMS da Base de Cálculo do PIS e da
COFINS teria um impacto de aproximadamente R$ 485 milhões, segundo o IBPT
(Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação), já que implica recuperação
dos últimos 05 anos.
Já a exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e
da COFINS poderá ter um impacto ainda maior, de aproximadamente R$ 32 bilhões,
caso o Estado tenha que devolver os valores que foram pagos nos últimos 05
anos.
Sem dúvidas que tanto o julgamento dos embargos,
relacionado ao ICMS, quanto ao julgamento que irá ocorrer no dia 14/08/2020
sobre o ISS, são assuntos esperados da área tributária. Tendo em vista que terão
efeitos diretos sobre valores eventualmente a serem restituídos ou ainda sobre
créditos que poderão ser pleiteados pelas empresas para o pagamento de
tributos.
Por João Pedro Riccioppo Cerqueira Gimenes –
Sócio do escritório Riccioppo, Cerqueira & Gimenes – Sociedade de Advogados
06.08.2020
Bibliografia:
ÁVILA,
Humberto. Teoria da Segurança Jurídica. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2019,
pp. 308-530.
CARRAZZA,
Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 31ª ed. São Paulo:
Malheiro, 2017, pp. 443-589.
O
novo CPC e seu impacto no direito tributário/ coordenadores: Paulo Cesar Conrado
e Juliana Costa Araújo. 2ª ed. São Paulo: Fiscosoft, 2016, pp. 103-130.
<
https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2020/08/05/stf-julgara-exclusao-do-iss-da-base-de-calculo-do-pis-e-da-cofins.ghtml
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< valor.globo.com/brasil/coluna/supremo-ja-modulou-a-reforma-tributaria >