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A RESPONSABILIDADE DOS CORREIOS NO EXTRAVIO DE MERCADORIA

Certamente você já ouviu falar de alguém que teve sua mercadoria extraviada pelos Correios. Nesses casos, normalmente é oferecido ao remetente o valor pago pela postagem, por vezes somado a uma irrisória quantia a título de indenização, principalmente se no ato da postagem não foi declarado o valor do produto.

Na maioria das vezes, esse montante é extremamente inferior ao valor do produto extraviado, porém, a fim de amenizar o prejuízo financeiro sofrido, o Remetente não vê alternativa senão a de aceitar a ínfima indenização oferecida.

É comum os Correios atribuírem esse extravio da mercadoria à ocorrência de fatos supostamente alheios à sua responsabilidade, como furto ou roubo, motivos estes pelos quais alegam não possuírem o dever de indenizar a vítima do produto desaparecido.

Mas será que realmente há essa excludente de responsabilidade por parte dos Correios? Será que o valor mencionado realmente é o máximo que a Empresa possui o dever de indenizar?

1.         A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DOS CORREIOS

Primeiramente, cumpre discorrer acerca da hipótese de extravio por falha na prestação de serviços por parte dos funcionários da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) ou simplesmente Correios.

A ECT é uma Empresa Pública, responsável pelo fornecimento de serviço que compete à União (art. 21, X da Constituição Federal) e, sendo assim, responde objetivamente pelos danos que seus agentes vierem a ocasionar (teoria do risco administrativo), conforme dispõe o art. 37, § 6º, da Constituição Federal, senão vejamos:

“Art. 37, § 6º: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

O art. 43 do Código Civil também dispõe acerca de supramencionada responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público:

“Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.”

Ademais, importante frisar que o serviço oferecido pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (os Correios) trata-se de indiscutível relação de consumo, tendo como prestador de serviços, a Empresa Pública (art. 3º, §2º do Código de Defesa do Consumidor) e como consumidor, o remetente (art.   2º do CDC), independente se pessoa física ou jurídica.

Assim, caracterizada a relação de consumo, o art. 14, do Código de Defesa do Consumidor preceitua que “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços”, sendo esta responsabilidade, consequentemente, objetiva.

Portanto, diante do desaparecimento do produto enviado através dos serviços postais dos Correios, resta caracterizada a falha na prestação de serviço por parte da Empresa Pública, motivo este pelo qual há o dever de indenizar integralmente os danos materiais e morais sofridos e efetivamente comprovados por parte do consumidor.

2.         ROUBO/FURTO DE MERCADORIA

Grande porcentagem das ocorrências de extravio da mercadoria se dá em decorrência de furto dos objetos que estão sob responsabilidade da Empresa Brasileira De Telégrafos, ou até mesmo de roubos sofridos por seus funcionários.

Nesses casos, a Empresa Pública alega caso fortuito e culpa exclusiva de terceiros como excludente de responsabilidade pelo evento, se recusando a restituir o valor devido.

Ocorre que, o roubo e o furto tratam-se de riscos inerente à atividade da Empresa de Correios e Telégrafos e, portanto, não devem configurar como excludente do nexo causal.

Assim, quando da ocorrência de furto ou roubo de mercadoria sob responsabilidade da Empresa Pública, pressupõe-se que esta não adotou todas as medidas de segurança devidas no transporte da correspondência.

Importante frisar que, em grande parte dos casos, a prestadora de serviços acaba por negligenciar a segurança dos produtos por ela transportados, pois sabe que raramente é obrigada a ressarcir os prejuízos de seus clientes lesados, uma vez que nestes casos se vê obrigada a reembolsar apenas o valor da postagem da mercadoria.

Além disso, a Empresa Pública goza de um monopólio do serviço público prestado, tendo ciência que o consumidor, mesmo que insatisfeito, resta impossibilitado de procurar outra empresa para prestar serviço similar.

Assim, essa modalidade de roubo e furto tem se tornado cada vez mais recorrente no país e parte disso se deve a essa facilidade que os infratores encontram para realizá-lo.

Diante disso, entendemos que, ainda que o extravio da correspondência tenha sido decorrente de furto ou roubo, há o dever de indenizar integralmente os danos materiais e morais sofridos e efetivamente comprovados por parte do consumidor.

3.        COMPROVAÇÃO DOS DANOS MATERIAIS ATRAVÉS DE OUTROS MEIOS SENÃO O DO VALOR DECLARADO

Vale a pena discorrer também sobre a comprovação do conteúdo extraviado e de seu valor econômico.

Quando nos deparamos diante de um caso de extravio, os Correios utilizam como base de indenização o valor do frete somado ao valor declarado pelo remetente no momento da postagem. Assim, se o remetente optou por não declará-lo, a Empresa Pública alega impossibilidade de ressarcimento por ausência de comprovação do conteúdo da mercadoria.

Ocorre que, apesar da não declaração do valor da postagem, em regra, eximir a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos de responsabilidade pelo teor da remessa, esta não afasta a possibilidade de comprovação por outros meios.

A Lei nº 6.538/78 prevê, taxativamente, os casos de exclusão da responsabilidade da empresa pública entre os quais não constou a exigência de identificação do conteúdo postado como requisito para configuração do dever de indenizar.

Assim, resta possível ao remetente comprovar o teor da mercadoria postada mediante qualquer meio de prova admitido em direito, podendo se utilizar de métodos alternativos ao da declaração do valor e conteúdo no momento da postagem, como por exemplo nota fiscal do produto, filmagens, comparação entre as dimensões do produto e do objeto postado etc.

4.        DANO MORAL

Além dos danos materiais sofridos, a falha de prestação de serviços dos Correios pode extrapolar à esfera patrimonial das pessoas, resultando também em danos morais ao responsável pela postagem.

Há muitos casos em que, em decorrência da não conclusão do transporte do produto, o remetente sofre abalos extrapatrimoniais, como por exemplo prejuízo à imagem, credibilidade ou reputação de um comerciante diante de sua clientela (sendo inclusive possível que a “vítima” seja pessoa jurídica), perda de um cliente, ou “dores de cabeça” que extrapolem a esfera do mero aborrecimento.

Tal indenização é cabível, ainda que o remetente não tenha declarado o conteúdo e o valor do que foi postado, conforme entendimento jurisprudencial firmado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, conforme julgamento do EREsp 1097266/PB, da Segunda Seção e de relatoria do Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA.

Nesta seara, cumpre transcrever trecho de recente acórdão de causa patrocinada pelo escritório Riccioppo, Cerqueira & Gimenes – Sociedade de Advogados, em atuação do advogado Alexandre Moscardi Júnior, ora subscritor, onde restaram comprovados os danos morais sofridos por Pessoa Jurídica que teve seu produto extraviado pelos Correios, condenando a Empresa Pública ao pagamento de R$ 5.000,00, senão vejamos:

“As circunstâncias do caso concreto não deixam dúvidas da efetiva existência de abalo moral na espécie dos autos. É que a parte autora demonstrou satisfatoriamente que a falha no serviço prestado pela ré lhe causou prejuízos de monta, redundando em situação vexatória na perda de um potencial comprador, sendo ainda perfeitamente verossímil a alegação de descrédito perante eventuais outros consumidores, tendo em vista o efeito replicador de uma má experiência que é repassada a diversas pessoas do convívio do prejudicado, além da exposição eventual em ranking de boas práticas na internet. Assim, há conduta (falha no serviço decorrente do atraso na entrega), dano moral (decorrente da frustração da expectativa de realizar um negócio e o abalo na reputação) e nexo de causalidade evidente.”  (TRF-3 - RI: 00134622120174036301 SP, Relator: JUIZ(A) FEDERAL FLAVIA PELLEGRINO SOARES MILLANI, Data de Julgamento: 06/09/2019, 4ª TURMA RECURSAL DE SÃO PAULO, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial DATA: 11/09/2019).

Sendo assim, quando nos deparamos com extravio de mercadoria decorrente de falha na prestação de serviço prestado pela ECT, esta possui o dever de indenizar também os danos morais efetivamente comprovados pelos quais o Remetente foi acometido, ainda que o teor da mercadoria emitida não reste comprovado, uma vez que os Correios possuem responsabilidade objetiva perante o consumidor.

Alexandre Moscardi Júnior

26.09.2019